Mal terminei de digitar a última frase da coluna da semana passada e já debandei em disparada rumo à rodoviária. Isso mesmo: RODOVIÁRIA. Provavelmente devido ao feriadão de 15 de novembro, as passagens aéreas para Belo Horizonte estavam proibitivas. Optamos então por ônibus leito – com tarifas similares à de um voo normal. Li uma edição de Tex Gigante de cabo a rabo até a parada para o jantar, em Catalão, já perto da meia-noite. De volta ao busão, dois Dramin me colocam pra dormir até o dia seguinte. Chegamos à capital mineira debaixo de chuva, numa viagem que ultrapassou 15 horas de duração.
Logo chegou o motorista contratado pelo Pedro (nosso baterista e também produtor da tour), Felipe Cançado – que de cansado não tem nada. Contrariando as leis da física – uma constante nessa etapa da turnê –, colocamos todos os equipamentos dentro do carro. Como o check-in do hotel ainda não havia sido liberado, Felipe nos levou para a casa dele, até a vinda do nosso cicerone, o lendário Claudão Pilha, patrimônio cultural de BH e organizador do show da noite. Almoço, algumas cervejas e tenho aquele raro momento de bom-senso de ir para o hotel descansar. Quem não fez isso pagou um preço alto, eu garanto.
Chegamos à Casa Matriz, clássico pico de shows underground da cidade. Apesar de estarem em outro endereço, já havíamos tocado lá em vidas passadas, numa antológica tour que fizemos com os americanos Nebula. Boas lembranças. Mal boto os pés no lugar, abro uma conta no bar e imediatamente organizo a mesa do merchan. Banda independente é aquela velha história de bater o escanteio e correr para cabecear.
A primeira banda é a novata RuNa. Novata naquelas. A banda indie tem suas raízes na clássica Valv e a experiência transparece tanto nas composições quanto no show em si. A sequência natural seria o Estrume’n’tal, mas propusemos uma inversão. Como nosso show teria tradução em Libras, e o horário avançava sem dó, pedimos para tocar antes numa tentativa de poupar a intérprete. Dito e feito. Estar entre irmãos da música subterrânea brasileira é um dos maiores patrimônios que uma banda independente pode conquistar.
Subimos ao palco e foi bonito. Sempre uma felicidade quando a conexão com o público se estabelece. E nada como rever os amigos de outras cidades. Buscando encurtar um pouco o set para que a próxima banda pudesse entrar logo em cena, sugiro retirar Século XXI do repertório. Imediatamente a intérprete em Libras em debela: “Pô, essa não! Essa eu estudei muito!” Obedecemos prontamente.
Era a vez da prata da casa Estrume’n’tal, combo cabuloso de surf music instrumental. Os coroas estavam há cinco anos sem tocar, mas essa era uma informação impossível de ser percebida pelo público. Afiadíssimos, arrebentaram, com ondas sucessivas de sonoridades garageiras. Destaque para o indefectível Claudão, que literalmente moeu a bateria. Foi o fim de uma noite antológica – ao menos para mim e para o Pedro. Katu e Nicolas ainda esticaram madrugada adentro na A Obra Bar Dançante, histórico inferninho belo-horizontino de propriedade de, vejam só, Claudão Pilha.
Acordei sábado. Debaixo de chuva. Revigorado. E aí foi Casa das Revistas, Maleta, Mercado, Mercado Novo, aniversário de sobrinho, chopp de R$5,00, distro, chorinho, espetinho (sem acompanhamento) e cama. Às quatro da matina Pedro bate na porta. Felipe tá lá embaixo, nos esperando. Finalmente entendo porque Confins se chama confins.
O resto, conto semana que vem.