Rodolfo Abrantes o anti-herói, do forró-hardcore a ministro evangélico

Texto criado a partir da entrevista exclusiva de Rodolfo Abrantes para a 89 A Rádio Rock de Goiânia

Era algum lugar de Brasília (DF), Park Way acredito. A casa dos meus tios-avós era enorme, natal em família, eu tinha por volta de 9 ou 10 anos de idade. Me lembro que em algum momento parei de brincar e me aproximei daqueles caras. Eram três: Rodolfo, Digão e André. Digão ficava sentado, gesticulava muito pouco, possuía um ar de serenidade, mas falava alto e dava gargalhadas potentes. André era primo da minha mãe, filho dos meus tios-avós, capoeirista, dreadlock e tinha uma banda de reggae chamada “Homem de Pedra”. Eu queria ser exatamente igual a ele. Já Rodolfo usava roupas rasgadas. Não era só o estilo “skatista” com tênis largo, era algo mais punk. Eu não entendia o que significava o corte de cabelo (um moicano), argolas nas duas orelhas e tatuagens. Rodolfo era o mais inquieto, conversava, levantava e sorria bastante. Ver aqueles jovens conversando, bebendo, livres… Eles pareciam caras da televisão. Nunca tinha percebido aquela hexis corporal, nunca tinha visto alguém com aquele estilo tão de perto.

O Raimundos entrou na minha vida como um grito de inspiração, letras com gírias e palavrões, o acesso ao punk rock, o estilo visual. Tudo chamava minha atenção e me gerava uma inspiração transgressora, mas só anos depois fui saber que aqueles caras na casa do André eram os integrantes da minha banda favorita. Certa vez minha mãe foi chamada na escola. A professora passou uma atividade – “Vocês devem trazer a letra da música preferida de vocês por escrito”, ela disse! Peguei minha fita cassete gravada do Raimundos e transcrevi toda a letra de “Puteiro em João Pessoa”. Fui advertido.

Relembrar a importância do Raimundos na minha formação adolescente me traz nostalgias afetivas, transgressoras. Escutava Raimundos o dia inteiro, usava brincos falsos na orelha, as roupas da minha irmã ou da minha mãe rasgadas, cortadas. Os tênis tão sujos e rabiscados que o cheiro impregnava e chamava atenção. Raimundos foi uma banda muito importante para mim, dentro do meu espaço social, cultural, corporal. Uma vez um grupo de amigos decidiu comemorar um dos aniversários no melhor estilo Raimundos de ser. Óculos na testa, camisa florida, sapato branco e calça de linho. Era o ápice da transgressão. Adolescentes se transvestindo de “pagodeiros”, performando um estilo que não era o nosso, mas que nos colocava no papel de humoristas anárquicos, vestidos como “A mais pedida”, mas ouvindo punk rock.

Quando Alice Antunes e todo seu universo “No País 89” me confiou a missão de produzir uma entrevista com Rodolfo Abrantes, fiz uma breve pesquisa sobre a vida do ex-vocalista do Raimundos. Fiquei inquieto. Como alinhar a história do Rodolfo? Como produzir perguntas sobre seu passado, sua saída do Raimundos, o novo discurso cristão? Ele toparia falar sobre assuntos do passado, que talvez ficaram engavetados por lá mesmo? Como diria Michel Melamed: “um passado mal passado, um presente ao ponto e um futuro cru”. A real é que eu tinha a chance de saber mais do meu ídolo da juventude, o transgressor do forró-core, o punk do baião, aquele que um dia me abandonou. E, claro que eu gostaria de ouvir todos os motivos dele.

Só fui entender a transição na vida do Rodolfo, 15 anos depois. Perceber seu processo de espiritualidade, ouvir suas entrevistas com atenção para o discurso de fé e mudança. Compreender Rodolfo como um grande ídolo respeitando sua modificação. Como um bom fã, escutei todos seus CDs novamente, assisti seus vídeos e ouvi a entrevista exclusiva dele para a 89 A Rádio Rock de Goiânia, revelando detalhes sobre seu despertar, sua indiferença com as músicas que são produzidas hoje, a nova fase tocando com uma orquestra, a relação de troca e companheirismo com sua esposa Alexandra Abrantes. Observo a mudança de Rodolfo e me modifico, impossível não me modificar. Impossível não enxergar o amadurecimento feito dentro da própria escolha, escolher a vida, abandonar a fama excessiva. Dentro da minha mediocridade, como um fã que escreve, consigo entender Rodolfo, choro com ele e Digão se reconciliando e abro sorrisos com a primeira tour dele.

Obrigado Raimundos.

Acesse aqui e confira a entrevista completa do Rodolfo Abrantes para Alice Antunes.

Breno Magalhães é jornalista e locutor da 89 Rádio Rock de Goiânia, músico frustrado e cineasta de fita crepe.

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